terça-feira, 16 de setembro de 2008

O que é virtual ?

O que é virtual ?

Entrei apressado no restaurante, escolhi uma mesa de fundo, sossegada. Tinha muita coisa para fazer no meu notebook. Correção de projetos, atualização de idéias, planejar minha viagem de férias, etc. Pedi um filé de salmão na manteiga com alcaparras, uma salada crocante e um suco de laranja. Afinal, fome é fome, mas regime é regime. Abri o notebook e levei um susto com aquela voz baixinha atrás de mim.

- Tio, dá um trocado ?

- Não tenho, menino !

- Só uma moedinha pra comprar um pão.

- Está bem. Compro um para você.

Para variar, minha caixa de e-mails estava lotada. Fico ali, distraído, lendo as mensagens, rindo das piadas. Um e-mail com música me transporta para a Itália. Ah, que belas lembranças.

- Tio, dá pra mandar passar margarina ?

- Tio, pede pra colocar um pedacinho de queijo.

Percebo que o menino ainda estava ali.

Ok. Mas depois me deixe em paz que preciso trabalhar. Não vê que estou ocupado ?

Chega minha refeição e junto com ela meu constrangimento. O garçon pergunta se quero que mande o menino embora. O resto de consciência que ainda tenho não me permite dizer nada. Ok., garçon, tudo bem. Deixe ele ficar. Traga o pão e mais uma refeição descente para ele.

Então o menino criou coragem e sentou-se a minha frente.

- Tio, o que o senhor está fazendo ?

- Estou lendo e-mails.

- O que é e-mails, tio ?

- São mensagens eletrônicas enviadas por pessoas na internet.

Sabia que ele não ia entender nada, mas para tentar encurtar a conversa disse:

- É uma carta, mas pela internet.

- Tio, você tem internet ?

- Tenho sim. É essencial no mundo de hoje.

- E o que é internet, tio ?

- Olha. É um local no computador onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, informação, conhecer gente, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Tem tudo no mundo virtual.

- Nossa, tio, e o que é virtual ?

Melhor dar uma explicação simples e me livrar dele para poder comer meu filé de salmão, sem culpas.

- Olha. Virtual é um local que imaginamos algo que não podemos pegar, tocar. É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos nossas fantasias, transformamos o mundo em algo como quase queríamos que fosse.

- Legal isto Tio. Gostei.

- Entendeu agora, garoto ?

- Sim, Tio. Eu também vivo neste tal mundo virtual.

- Não diga ? Você tem um computador ?

- Não, mas meu mundo é mais ou menos este virtual. Minha mãe sai de manhã e volta muito tarde. Quase não vejo e não toco nela. Eu fico cuidando dos irmãos menores que choram de fome. Aí eu dou água com açúcar e eles pensam que é mingau.

Minha irmã sai todo dia dizendo que vai vender o corpo. Mas não entendo. Todo dia ela volta com o corpo e com algum dinheiro. Vendeu como ? Acho que foi virtual, né tio ?

Meu pai está na cadeia a muito tempo. Mas sempre eu faço este tal virtual, tio. Fico imaginando toda nossa família junta em casa, muita comida, muitos presentes de Natal e eu indo pro colégio pra virar médico quando eu crescer.

Isto é virtual, não é tio ?

Fechei meu notebook, não antes que as minhas lágrimas caíssem sobre o teclado. Esperei que ele “devorasse” sua refeição, paguei a conta e dei o troco para ele, que me retribuiu com um dos mais belo e mais sincero sorriso que já recebi na vida, e com um “Brigado tio, você é muito legal!

Ali, naquele instante, tive a maior prova do virtualismo insensato em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel nos rodeia de verdade, e fazemos de conta que não vemos.

Dedico este texto a todos os nossos políticos que estão em campanha prometendo mundo e fundos. Por favor, reservem um pouco de suas energias para olharem pelas nossas crianças abandonadas e por aqueles que mais precisam, virtualmente, de nós.

Nenhum comentário: